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ANÁLISE

'Death Stranding 2: On the Beach' expande universo épico em novo marco visual dos videogames

Sequência supera jogo original em mais uma obra autoral de Hideo Kojima

Antônio Gois

Publicado: 17/07/2025 às 22:40

Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach/Divulgação/Kojima Productions

Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach (Divulgação/Kojima Productions)

Obras de grandes e excêntricos artistas costumam revolucionar ideias e criar novas tendências para sua devida arte. Pablo Picasso, na pintura, Alfred Hitchcock, no cinema e Jimi Hendrix para a música são grandes exemplos de mentes, mãos e corações que deixaram marcas em sua arte e servem de inspiração para milhares de outros artistas que os seguiram.

Para os videogames, arte 'caçula' entre as grandes criações humanas, Hideo Kojima é um dos que sentam no panteão. Toda sua história, passando pelos tempos de Metal Gear na Konami, o fizeram um artista singular, adquirindo uma linguagem quase própria na maneira de contar histórias por meio de jogos.

Ousando trazer novamente uma história que se debruça sobre a humanidade em um período onde produções curtas e pensamentos automatizados parecem ser obrigatórios, a Kojima Productions novamente bebe da fonte do cinema para lançar 'Death Stranding 2: On the Beach', disponível para PS5.

Meses após conectar a América do Norte e formar a UCA (United Cities of America), o agora isolado Sam Bridges (Norman Reedus) busca somente se preocupar com sua pequena companheira de viagem Lou enquanto permanece no México. Porém, após a visita de uma velha conhecida e de novos mistérios surgirem do alcatrão, o portador se vê em uma nova missão: conectar o continente australiano e salvar a humanidade de seu último Death Stranding.

DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH

Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach - Divulgação/Kojima Productions
Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach (crédito: Divulgação/Kojima Productions)

O Death Stranding original, lançado em 2019, já havia sido um marco na indústria dos videogames. Inicialmente questionado, o jogo mantém um status de divisório para jogadores e mídia especializada - embora hoje seja tratado como um clássico 'cult' com uma aclamação considerável. Diferente de tudo o que o mainstream lançava naquela época, o 'simulador dos Correios' (como é vulgarmente conhecido) trazia uma gameplay que respirava a cada passada, uma geografia de terrenos milimetricamente calculada, uma história complexa e engajante e uma noção de conectividade que ia para além das entregas que o jogo propunha.

Grande chamariz de atenção do original, a mistura equilibrada entre cinema e videogame, dominada por Hideo Kojima, está de volta em uma forma nunca antes vista.

A introdução é dinâmica e bem feita, oferecendo espaço para o jogador sentir o ritmo das entregas e se ver abraçado pela história, em um ritmo rápido e envolvente que se estende até o final. Isso faz com que a história se desenrole melhor em comparação ao primeiro jogo, embora o enredo apresentado aqui não tenha o mesmo impacto. O roteiro estabelece esse ritmo bom, mas, na média de seus acontecimentos, a história não engaja tanto quanto no primeiro jogo. Além disso, em mais de uma vez o roteiro faz uso de técnicas desnecessárias que poderiam ter sido melhor elaboradas deixando um gosto ruim para quem está jogando, já que esses episódios não são discretos. Por outro lado, fica explícito que isso não é pela incapacidade dos responsável em contar a história, visto que certos momentos chave são mais emocionantes do que no título original.

Esses momentos evidenciam duas das maiores realizações que podem ser vistas aqui: a força do elenco e a qualidade gráfica.

Se no primeiro game o elenco estrelado e competente já chamou atenção, aqui se faz necessário destacar as atuações memoráveis que fazem essa história tão crível. Para além do Norman Reedus, que aqui apresenta novamente seu Sam Bridges caladão e reativo, mas muito bem executado, temos uma Léa Seydoux brilhante como a 'capitã' Fragile, que deixa cair sua máscara de durona e nos mostra profundidade e carinho. Elle Fanning, que dá vida à misteriosa Tomorrow, desfila com carisma e mostra o motivo pelo qual Kojima contava com a atriz para interpretar a personagem (chegando até a afirmar que mudaria boa parte do roteiro caso ela não aceitasse). Ainda há de se destacar o surpreendente Luca Marinelli, que traz um personagem-chave para o enredo, mas não supera o charme insuperável de Mads Mikkelsen como Cliff Hunger no primeiro jogo — o que é mais mérito do Mads do que demérito do Luca. Além desses, um nome em específico se destaca, novamente, em sua atuação: Troy Baker, que se firma no topo entre os atores da indústria dos videogames. Em uma performance que fica apenas abaixo da entregue à Joel (The Last Of Us), Baker traz o velho, mas novo Higgs à vida, traduzindo sua mente conturbada em momentos que vão desde um êxtase vilanesco até uma reflexão intimista.

Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach - Divulgação/Kojima Productions
Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach (crédito: Divulgação/Kojima Productions)

A mudança no Higgs, como em outros personagens, passa muito pelo visual. Com um design de personagens arrojado, Death Stranding 2 expõe personalidade para além do roteiro, seja pelas vísceras expostas do vilão (que está a cara d'O Corvo do Brandon Lee) ou por sua guitarra hipnotizante, temos uma história que é contada, agora mais do que nunca, pelos seus aspectos visuais. O avanço do motion capture contribui para uma melhor fluidez de movimentações e as impressionantes expressões faciais fazem o realismo dos personagens chegar a um nível jamais visto.

Junto a isso, pode-se perceber o quanto a Kojima Productions soube explorar o poder que tinha em mãos com a Decima Engine, motor gráfico desenvolvido por sua 'prima' Guerrilla Games para a franquia Horizon. O game faz questão de impressionar logo de cara, ostentando um draw distance jogável de qualidade inédita, quantidade altíssima de objetos em tela e textura de peles e tecido de aparência palpável.

Tudo aqui é bonito de se olhar. Ao contrário dos jogos Horizon, cuja saturação das cores serve para atrair os olhos dos jogadores, em Death Stranding é o realismo dos ambientes que realiza a imersão e ver um realismo feito com tanto apuro visual e liberdade criativa faz dessa experiência ser ainda mais marcante do que o primeiro jogo. Os gráficos aproximam o jogador do mundo, que aqui está mais vivo ainda. A queda da chuva no solo, a crescente dos rios, as tempestades de areia, o vento nas folhas, além das interação das intempéries com a tela do jogador aumentam o sentimento de fazer parte daquilo tudo. A relação do Sam com o ambiente é mais nítida e diferente de qualquer outro jogo, as reações do seu corpo — tanto meramente visuais quanto no peso da gameplay — estabelecem uma conexão onde o ambiente ao redor é tão importante quanto o personagem em si, afinal, cada passo que ele percorre e cada entrega realizada altera a forma com que ele e o jogador veem o mundo.

Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach - Divulgação/Kojima Productions
Screenshot de Death Stranding 2: On the Beach (crédito: Divulgação/Kojima Productions)

Entrega após entrega, vamos percebendo que, ao contrário do que está em tela, não estamos nem um pouco sozinhos naquela vastidão toda. Para além dos ótimos companheiros que vemos e conhecemos pela jornada, o game ensina que a riqueza das interações muitas vezes está naqueles que não podemos enxergar. O elo social é, senão a maior, uma das grandes realizações de Death Stranding e a lição de 'dar e receber', proposta de forma tão simples, mas ao mesmo tempo tão revolucionária, transborda do universo virtual e aquece o coração de quem está jogando.

A melhora desse sistema é uma das novidades mais notáveis dessa sequência. Aqui, a desenvolvedora parece ter ouvido as necessidades do público a fim de fazê-lo crescer, mesmo que isso tenha feito o game seguir um caminho um pouco diferente do primeiro em alguns aspectos, tanto positivamente quanto negativamente. Por exemplo, os menus estão mais intuitivos e o game oferece atalhos mais práticos, especialmente no uso dos veículos, aproveitando-se também do aprimoramento de sua física. Por outro lado, a escolha de dar maior valor ao combate e fazê-lo se tornar mais obrigatório pode parecer um atrativo para alguns, mas sem dúvida é algo que faz 'DS 2' se aproximar mais das convenções da indústria do que alguns fãs gostariam.

Para um jogo como Death Stranding, deixar sua 'alma' de lado significaria uma morte dolorida, mas felizmente, essas mecânicas de 'abertura ao público' passam longe disso. O que vemos aqui é uma exploração de conceitos desse universo, resultado de um mergulho de cabeça cheio de liberdade criativa, o que mostra o conforto de seus criadores. O game acerta em se aprofundar nesse folclore, explorando a vida de outros personagens que exalam carisma, o que chega a deixar um gostinho de 'quero mais', mas não o suficiente para poderem ser chamados de subaproveitados. Por isso tudo, mesmo que seja mais brando do que seu antecessor, não vale a pena jogar este sem completar o primeiro jogo, já que aqui o papel é aprofundar e explorar, não apresentar.

Não chegando a ser tão disruptivo quando o primeiro game, mas melhor em todos os aspectos técnicos e bastante feliz em suas realizações, 'Death Stranding 2: On the Beach' é resultado do amor de artistas pelas suas artes, celebrado em uma grande e deliciosa conexão, mostrando que mãos criativas são o melhor lugar onde o refinamento técnico pode chegar, mãos e mentes que não se prendem somente ao realismo e, sim, usam suas ferramentas para nos transportar e dar um vislumbre de suas histórias fantásticas.

*Uma chave do jogo foi disponibilizada pela PlayStation para a produção deste texto.

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