Imóveis em áreas nobres do Recife têm nomes ligados a período da escravidão
No dia 13 de Maio, que marca a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, Diario traz levantamento sobre prédios batizados com palavras que remetem a período do escravismo
Publicado: 13/05/2025 às 12:49

Imóveis em áreas nobres do Recife têm nomes ligados a período da escravidão/Foto: Marina Torres/DP Foto
Senzala, Colônia, Casa Grande, Canavial. Esses são termos bastante associados ao período do escravismo em Pernambuco. Mesmo se tratando de um momento marcado por sofrimento e violações de direitos, muitos prédios no Recife carregam essas palavras em seus nomes.
Dos mais de 20 prédios residenciais e estabelecimentos comerciais encontrados que possuem palavras relacionadas ao período colonial, quase a totalidade fica em bairros da Zona Norte da cidade considerados mais ricos e de alto padrão, como Aflitos, Graças e Casa Forte.
Na Avenida 17 de Agosto, que cruza os bairros de Parnamirim, Santana, Poço da Panela e Monteiro, há menções do tipo em nomes de ao menos quatro edifícios: Banguê, Senzala, Canavial e Casa Grande de Santana.
A reportagem identificou diferentes significados para a palavra "banguê", como um tipo de engenho de açúcar ou propriedade rural com canaviais, padiola usada para transportar cadáveres de escravos e estrado para transporte do bagaço da cana. Banguê é também o nome do terceiro livro do "ciclo da cana-de-açúcar", do escritor paraibano José Lins do Rego.
Na Rua Arnoldo Magalhães, em Casa Amarela, Zona Norte, a poucos metros de distância um do outro, estão os Aldeia Colonial, Condado Colonial e Aliança Colonial. O Brasil Colônia é o período em que o país pertencia ao Reino de Portugal. É marcado pela exploração da riqueza para atender às demandas do mercado europeu e pela escravidão dos africanos.
A psicóloga Maria Eduarda Brandão, de 29 anos, mora com o namorado no Senzala do Megahype, no bairro da Torre, também Zona Norte da capital, há três anos. Ela diz ter considerado o nome do imóvel “péssimo”.
“Quando a gente se mudou, ficou incomodado e chegou até a pesquisar sobre isso, mas sem muito sucesso sobre de onde vem o nome”, diz ao Diario de Pernambuco. Ela conta que o tema é um assunto comum entre os amigos que descobrem onde ela vive.
“A gente, inclusive, chama meu prédio só de ‘Megahype’, para não chamar de ‘Senzala’. Tipo, vamos no ‘Megahype hoje?’”, exemplifica. Senzalas eram os nomes dados aos alojamentos de escravos nos engenhos.
Naturalização
O professor Marcus. J. M. de Carvalho, titular de História do Brasil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor do livro "Liberdade, rotinas e rupturas do escravismo no Recife - 1822/1850", enxerga esse fenômeno como uma naturalização da escravidão. “As coisas mais sórdidas, às vezes, são naturalizadas”, resume.
Sobre a concentração de prédios com esse tipo de termo na Zona Norte da cidade, o professor lembra que são locais de ocupação pelas elites mais antigas. Ele, entretanto, explica que a palavra "engenho" pode estar ligada simplesmente ao fato de naquele local ter funcionado esse tipo de estrutura industrial agrícola.
"Engenho da Torre, Engenho Madalena, Caxangá, Engenho do Meio, tudo isso é nome de engenho mesmo. Às vezes, o nome desses edifícios vem de terrenos que pertencem a famílias descendentes disso", comenta. “Às vezes nem percebem. Você pode ir à Europa e lá exaltar o Recife. Mas será que você estará exaltando o fato de ter criancinhas comendo do lixo aqui?”
O pesquisador, entretanto, ironiza a existência de residenciais e comércios com palavras como "colonial" e "senzala". "Senzala é de lascar. Eu não quero morar em uma senzala. É de um mau gosto, de uma falta de senso. A senzala é uma coisa assustadora, de condições terríveis", diz.
“Já imaginou daqui a cem anos existir o Edifício DOPS?”, questiona, fazendo menção ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), um dos principais órgãos de repressão da ditadura militar. "Essa é a naturalização da escravidão. Infelizmente a miséria absoluta é naturalizada no Brasil".
Reformulação de marca
Tradicional motel no bairro da Guabiraba, na Zona Norte, o Soho Motel é conhecido mesmo pelo seu nome anterior - Motel Senzala. Em agosto de 2024, o estabelecimento, que tinha suítes com nomes como Pelourinho, Zumbi, e quartos Xica da Silva, Liberdade e Quilombo, passou por uma reformulação de marca.
Segundo comunicado da Birôlab, empresa responsável pelo projeto, o "rebranding" reflete as transformações culturais da região do bairro de Casa Forte, "um reduto artístico, diverso e livre de tabus".
"O antigo nome, que fazia referência a um passado colonial e excludente, deu lugar a um novo conceito inspirado no bairro londrino de Soho - símbolo de liberdade, pluralidade e respeito", diz o comunicado.
Segundo George Wanderley, gestor da Birôlab, o nome Senzala tinha outro intuito na época da fundação do motel, mas que se perdeu com o passar dos anos. “A criação do nome Senzala veio de uma situação inusitada. O antigo dono teve um embate com a mulher de Gilberto Freyre, que não queria um motel naquela região. Ele, então, decidiu colocar ‘Senzala’ como desaforo”, justifica. Gilberto Freyre foi um escritor e sociólogo recifense conhecido pela obra Casa Grande & Senzala.
Abolicionistas
Imóveis no Recife também homenageiam figuras conhecidas pela pauta abolicionista. Em Casa Amarela, por exemplo, existe o Edifício Joaquim Nabuco. Considerado um importante personagem do período colonial, Joaquim Nabuco defendia a reforma agrária para que os negros tivessem como recomeçar suas vidas após a escravidão.
Ele também dá nome ao Palácio localizado na Rua da Aurora, na área central da capital, em que funcionou a Assembleia Legislativa de Pernambuco entre 1875 e 2017.
O bairro de Casa Forte tem o Edifício José Mariano. O nome faz alusão ao político que foi um dos fundadores do Movimento Abolicionista de Pernambuco e defendeu de forma acirrada a libertação de escravos. O prédio da Câmara Municipal do Recife é chamado Casa José Mariano.

